terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quando morre um ídolo

(por Alan Neto, de O Povo)

O craque e o mito

08 Set 2009 - 01h29min

> MOZARZINHO, ontem convocado por Deus, foi o maior jogador do futebol cearense que meus olhos já viram. Melhor que seu irmão Moésio, um bom jogador, porém muito melhor técnico. Mozart tentou ser treinador, mas não deu certo. É comum um grande craque, ídolo, ou mito, não se transformar em técnico vitorioso. São raros os casos. Uma vez pedi a Nilton Santos e ao mestre Ziza para que decifrassem este enigma. A versão dos dois foi idêntica.

> O QUE disseram. O craque não dá bom técnico porque, quando jogador, não fica atento, nem presta a atenção na preleção do treinador. Sabem tanto, que não estão nem aí. Como então acumular conhecimentos teóricos se a prática é outra bem diferente? O inesquecível Saldanha repetia esta mesma versão, numa frase simples. “Ao cobra não se ensina nada porque ele já sabe tudo. É entregar a camisa e mandá-lo entrar em campo. Aí, sim. Podem deixar que ele resolve”. Zizinho e Nilton Santos fracassaram como técnico.

> NO futebol cearense a história não registra que um craque tenha se transformado em técnico vencedor e de sucesso. Aliás, este rol de craques, genuinamente cearenses, é muito restrito. Que me lembre, depois de Mozarzinho, Amilton Melo e mais recentemente Clodoaldo. Este, infelizmente, perdeu o bonde da história. Não aguentou o peso da fama, dos holofotes e se perdeu na estrada, sem achar o caminho de volta. Poderá aparecer alguém pra contestar de que Zé Eduardo foi um craque maravilhoso, que em campo desequilibrava. É verdade. Só que Zé Eduardo era baiano.

> FAÇAM-ME um grande favor de não confundirem craque com ídolo. A diferença chega a ser (quase) abissal. Os três maiores goleadores e ídolos do futebol cearense Gildo (Ceará), Croinha (Fortaleza) e Pacoti (Ferrão) balançavam as redes de todas as formas. Do lado de fora, os torcedores iam à loucura com seus gols memoráveis. Porém, não foram craques na verdadeira acepção da palavra. Croinha não dava um passe daqui pra ali. Pacoti mandava Zé de Melo enfiar a bola em profundidade, que ele resolvia no pique com aquele corpanzil de gigante levando os zagueiros de roldão. Gildo era mais refinado que os dois, sobretudo pelo incrivel reflexo dentro da área. Sabia, como ninguém, o momento em que a bola passaria pra estufar as redes. Que bela história este trio tem. E só um, no caso Pacoti, era cearense. Gildo, o fenomenal pernambuquinho e Croinha, o maranhense caladão e misterioso.

> MAIOR fase de Mozarzinho no futebol cearense foi vestindo a camisa do Fortaleza, na ponta-esquerda, cria e DNA tricolor, titular aos 16 anos, quase um menino. Imberbe e meio gorducho. Moésio, o irmão mais velho, o chamava de “pimba d’água”. Na seleção cearense, formando dupla com Gildo, que maravilha! Já imaginaram os zagueiros tentando barrar os dois? Saíam grogues e catatônicos de campo. Esta fase de ouro, a maior de todos os tempos, acompanhei de perto. Sou desta época, sim, com muito orgulho. Porque esta geração jamais se repetirá no futebol cearense. Na minha retina este filme está sempre passando, nos meus momentos de recordações e lembranças.

> GRANDE descobridor de Mozart, como ponta-de-lança, caindo pela direita, mesmo só chutando de esquerdo, foi Gradim, na época técnico do Náutico. Com seu olho clínico concluiu que um canhoto jogando pela direita, com dribles estonteantes, desequilibraria qualquer zagueiro que ousasse marcá-lo. O velho mestre tinha razão. Bingo! Foi nesta posição que o lendário Zezé Moreira viu Mozarzinho atuar em Recife e o levou para o Fluminense onde também brilhou intensamente. Só não chegou à seleção brasileira porque a geografia massacrante, a discriminação, o preconceito, perversos e cruéis contra nordestinos, não permitiram.

> MOZART, registram os albarrábios (que palavra!) do grande historiador Airton Fontenele vestiu a camisa do Ceará em 67, passagem rápida, sem muito brilho. Ainda atuou com a camisa do América, naquele timaço que disputou a Copa do Brasil, sob o comando do também saudoso Gilvan Dias. Parece que estou vendo Mozart, cabeça ensopada de sangue, como a camisa rubra, tentando furar a retranca do Bahia e o PV efervescente como um caldeirão borbulhante. Seu irmão Moésio era o técnico alvinegro na inesquecível conquista do tetra, aquele do memorável gol de Tiquinho. Moésio, técnico, era fora de série. Reza a lenda que o pai dos dois, o austero coronel Mozart Gomes, tricolor a vida toda, quis deserdá-los por conta desta troca de camisa por ele jamais aceita. Justo o do histórico rival. Como lenda é lenda, esta versão nunca se confirmou.

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