terça-feira, 29 de setembro de 2009

Seria o Papa tricolor?

Com a bênção do Papa
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GALERIA

Padre Fernando, que mora e estuda na cidade de Roma desde 2003, entrega a camisa do Fortaleza ao papa Bento XVI em visita ao Santo Pontífice no último domingo, no Vaticano

Papa Bento XVI recebeu a camisa do Fortaleza e posou com o manto tricolor para a fotografia, que ficará para a história
MATÉRIAS RELACIONADAS

Tudo é válido para o time sair da incômoda posição em que se encontra na Série B e buscar escapar da degola

Com as orações e bênçãos do papa Bento XVI, o Fortaleza enfrenta o Ipatinga, às 21h50 de hoje, no Estádio Castelão, com o desejo de dar mais um passo para interromper o calvário que o sustenta na última posição da Série B do Campeonato Brasileiro. O padre Fernando, que entregou a camisa do Leão ao Sumo Pontífice (ver matéria ao lado), aumentou as fileiras dos que irão, hoje, tentar incentivar o time a engatar uma vitória na outra, dentro da competição.

Do papa, o Leão aceita a torcida a distância, porém, o torcedor comum é convocado a unir sua voz para o time chegar mais próximo de sair da zona. Os dirigentes esperam que 15 mil pessoas se façam presentes, dada a motivação e o preço do ingresso, outra vez barateado.

"No que estiver ao alcance do homem fazer, Deus não vai mover uma palha, mas quando nossas forças se extinguirem, virá a mão de Deus em nosso socorro", disse o técnico Roberto Fernandes, em sua apresentação, quando indagado sobre fé e esporte.

O martírio da torcida em ver o time lutando para sair das últimas colocações vai diminuindo pouco a pouco, conforme analisa o técnico. "Temos que pensar jogo a jogo", completou o comandante do Leão.

A vitória sobre o Campinense na última partida encheu a torcida de fé e confiança de que dias melhores virão, mas Roberto Fernandes ainda é comedido quanto aos otimismos exagerados. "Eu acredito, em virtude de ter passado por essa situação, que é preciso ter calma. Enquanto a gente não sair da zona de rebaixamento, não teremos feito nada. Tem que ter concentração total, empenho total, mas demos um passo. Na rodada passada, faltavam sete pontos para sair da zona, agora já faltam menos. Temos a esperança de que se conseguirmos superar o Ipatinga e vencermos o jogo seguinte, dará para sair", disse.

Mudanças

Roberto faz algumas modificações na equipe, embora não tenha confirmado. Primeiramente, o zagueiro Amarildo retorna ao time no posto de Gilmak, punido com o terceiro cartão. O volante Coutinho treinou entre os titulares, na vaga de Ticão e Rogerinho formou dupla com Luiz Carlos, pois Marcelo Nicácio não tem escalação certa, podendo até ir no banco.

Adversário

No Ipatinga, o técnico Émerson Ávila confirmou a volta do atacante Marcelo Ramos no lugar do machucado Diego Silva. O objetivo é recuperar os pontos perdidos no empate em casa, e sem gols, contra o Bahia, na última rodada da Segundona.

EM ROMA
Pe. Fernando não esconde a paixão pelo Fortaleza

O padre cearense Fernando Chaves Freire, de 48 anos, foi quem teve o privilégio de se encontrar e entregar a camisa do Fortaleza ao papa Bento XVI.

Ele está na Itália desde 2003, estudando na Universidade de Roma, onde faz especialização na área bíblica. Pe. Fernando esteve no último domingo no Vaticano, em visita ao papa, com vários bispos do Estado do Ceará e do Piauí. Esse evento, só acontece de cinco em cinco anos, e o sacerdote não perdeu a oportunidade de levar a camisa do time do coração e entregar ao Sumo Pontífice. "Ele é torcedor ardoroso do Fortaleza, sempre está querendo saber informações do time. Então, aproveitou essa chance de se encontrar com o papa Bento XVI, e levou a camisa do Fortaleza", contou padre Gilson, que recebeu as fotos enviadas pelo amigo católico.

Pe. Fernando pertence à arquidiocese de Fortaleza e já prestou serviços para a paróquia do Conjunto Ceará.

FICHA TÉCNICA

Fortaleza
Douglas; Dedé, Amarildo, Edson e Eusébio; Coutinho (Ticão), Leandro, Cristian e Elton; Luiz Carlos e Rogerinho. Técnico: Roberto Fernandes

Ipatinga
Fred; Alex Silva, Alessandro Lopes, Léo Oliveira e Marinho Donizete; Fernando Miguel, Lucas, Leandro Brasília e Francismar; Amílton e Marcelo Ramos. Técnico: Émerson Ávila

Competição: Série B do Campeonato Brasileiro.
Estádio: Castelão, em Fortaleza (CE).
Data: 29 de setembro de 2009. Horário: 21h50min.
Árbitro: Rogério Lima da Rocha. Assistentes: Ivaney Alves de Lima e Ailton Farias da Silva (Trio de Sergipe).
Ingressos: R$ 7,00 e meia R$ 3,50.
Transmissão: Rádio Verdes Mares AM810 Khz e Pay-per-view

IVAN BEZERRA
REPÓRTER


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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Eternamente Mozart

(por Tom Barros, do Diario do Nordeste)
Um concerto de Mozart

Felizes os que nas décadas 50/ 60 viram em ação o ídolo Mozart Gomes. Aos 16 anos, menino ainda, a todos encantou pela arte refinada de seu futebol. E assim chegou ao Fluminense e ao Maracanã. O Mozart do Fortaleza. O Mozart de dribles curtos, passes perfeitos, bicicletas monumentais, leitura de jogo acima dos comuns mortais, goleador implacável. O mais perfeito jogador cearense que vi em ação. O Mozart do América/CE na Taça Brasil de 1966. Mozart, artista da bola na famosa Seleção Cearense de 1962, terceira colocada Campeonato Brasileiro. Tantas vezes campeão. Também foi vice-campeão da Taça Brasil de 1960 pelo Fortaleza. Embora de família tricolor, brilhou no Ceará em 1967. Talvez inspirado pelo mesmo nome do genial compositor austríaco, Mozart jogava por música. Tive sorte: não vi apenas um concerto de Mozart, senão incontáveis dentre tantos que ele deu pelos gramados do mundo. Saudade.

Quando morre um ídolo

(por Alan Neto, de O Povo)

O craque e o mito

08 Set 2009 - 01h29min

> MOZARZINHO, ontem convocado por Deus, foi o maior jogador do futebol cearense que meus olhos já viram. Melhor que seu irmão Moésio, um bom jogador, porém muito melhor técnico. Mozart tentou ser treinador, mas não deu certo. É comum um grande craque, ídolo, ou mito, não se transformar em técnico vitorioso. São raros os casos. Uma vez pedi a Nilton Santos e ao mestre Ziza para que decifrassem este enigma. A versão dos dois foi idêntica.

> O QUE disseram. O craque não dá bom técnico porque, quando jogador, não fica atento, nem presta a atenção na preleção do treinador. Sabem tanto, que não estão nem aí. Como então acumular conhecimentos teóricos se a prática é outra bem diferente? O inesquecível Saldanha repetia esta mesma versão, numa frase simples. “Ao cobra não se ensina nada porque ele já sabe tudo. É entregar a camisa e mandá-lo entrar em campo. Aí, sim. Podem deixar que ele resolve”. Zizinho e Nilton Santos fracassaram como técnico.

> NO futebol cearense a história não registra que um craque tenha se transformado em técnico vencedor e de sucesso. Aliás, este rol de craques, genuinamente cearenses, é muito restrito. Que me lembre, depois de Mozarzinho, Amilton Melo e mais recentemente Clodoaldo. Este, infelizmente, perdeu o bonde da história. Não aguentou o peso da fama, dos holofotes e se perdeu na estrada, sem achar o caminho de volta. Poderá aparecer alguém pra contestar de que Zé Eduardo foi um craque maravilhoso, que em campo desequilibrava. É verdade. Só que Zé Eduardo era baiano.

> FAÇAM-ME um grande favor de não confundirem craque com ídolo. A diferença chega a ser (quase) abissal. Os três maiores goleadores e ídolos do futebol cearense Gildo (Ceará), Croinha (Fortaleza) e Pacoti (Ferrão) balançavam as redes de todas as formas. Do lado de fora, os torcedores iam à loucura com seus gols memoráveis. Porém, não foram craques na verdadeira acepção da palavra. Croinha não dava um passe daqui pra ali. Pacoti mandava Zé de Melo enfiar a bola em profundidade, que ele resolvia no pique com aquele corpanzil de gigante levando os zagueiros de roldão. Gildo era mais refinado que os dois, sobretudo pelo incrivel reflexo dentro da área. Sabia, como ninguém, o momento em que a bola passaria pra estufar as redes. Que bela história este trio tem. E só um, no caso Pacoti, era cearense. Gildo, o fenomenal pernambuquinho e Croinha, o maranhense caladão e misterioso.

> MAIOR fase de Mozarzinho no futebol cearense foi vestindo a camisa do Fortaleza, na ponta-esquerda, cria e DNA tricolor, titular aos 16 anos, quase um menino. Imberbe e meio gorducho. Moésio, o irmão mais velho, o chamava de “pimba d’água”. Na seleção cearense, formando dupla com Gildo, que maravilha! Já imaginaram os zagueiros tentando barrar os dois? Saíam grogues e catatônicos de campo. Esta fase de ouro, a maior de todos os tempos, acompanhei de perto. Sou desta época, sim, com muito orgulho. Porque esta geração jamais se repetirá no futebol cearense. Na minha retina este filme está sempre passando, nos meus momentos de recordações e lembranças.

> GRANDE descobridor de Mozart, como ponta-de-lança, caindo pela direita, mesmo só chutando de esquerdo, foi Gradim, na época técnico do Náutico. Com seu olho clínico concluiu que um canhoto jogando pela direita, com dribles estonteantes, desequilibraria qualquer zagueiro que ousasse marcá-lo. O velho mestre tinha razão. Bingo! Foi nesta posição que o lendário Zezé Moreira viu Mozarzinho atuar em Recife e o levou para o Fluminense onde também brilhou intensamente. Só não chegou à seleção brasileira porque a geografia massacrante, a discriminação, o preconceito, perversos e cruéis contra nordestinos, não permitiram.

> MOZART, registram os albarrábios (que palavra!) do grande historiador Airton Fontenele vestiu a camisa do Ceará em 67, passagem rápida, sem muito brilho. Ainda atuou com a camisa do América, naquele timaço que disputou a Copa do Brasil, sob o comando do também saudoso Gilvan Dias. Parece que estou vendo Mozart, cabeça ensopada de sangue, como a camisa rubra, tentando furar a retranca do Bahia e o PV efervescente como um caldeirão borbulhante. Seu irmão Moésio era o técnico alvinegro na inesquecível conquista do tetra, aquele do memorável gol de Tiquinho. Moésio, técnico, era fora de série. Reza a lenda que o pai dos dois, o austero coronel Mozart Gomes, tricolor a vida toda, quis deserdá-los por conta desta troca de camisa por ele jamais aceita. Justo o do histórico rival. Como lenda é lenda, esta versão nunca se confirmou.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Inconsciente Coletivo da Silva

(por Marcelo Mirisola)

Não sei até quando vou ter o privilégio de me sentir um peixe fora d’água. De - ainda - reagir com estranhamento e espanto diante do movimento alheio. Só peço a Deus que me conserve o espanto. Enquanto isso estiver acontecendo, está tudo bem. Indo. Ao menos no que concerne ao alheio, porque da minha parte nem a retórica que ajambrei ( ou a “minha voz”...) me convence de mais nada. Mas enquanto existir a subversão e o espanto, as coisas, repito, vão indo. Não diria que sob controle, porque se fosse esse o caso, eu não estaria aqui, nesse momento, tentando entender o que aconteceu comigo no final de semana passado. Vale que estou na ativa, livre para dar meus pitacos. Sem compromisso nenhum com a verdade ou a verossimilhança, isso que é melhor: na condição de cascateiro, manipulador, curioso, chamem como quiser.


Uma vez perguntaram a Barthes se a maneira pela qual ele interpretava as entrelinhas não era – per se - uma subversão no mais alto grau. E ele deu uma resposta devastadora. Eu acredito que não dá para atravessar uma rua sem levar isso em consideração.

Aspas: “ Penso que seria muito pretensioso da minha parte pensar que sou um subversivo. Mas diria que etimologicamente sim, tento subverter. Quer dizer,tento vir por debaixo de um conformismo, de uma forma de pensar que existe e deslocá-la um pouco. Não se trata de revolucionar, mas de trapacear um pouco. Aligeirá-las. Torná-las mais móveis. Fazer ouvir uma dúvida. E portanto, de abalar sempre o pretenso natural, a coisa instalada”.

Roland Barthes sabia se divertir. Tirar uma onda da cara dos otários. Se o autor de “Mitologias” trapaceava por que eu não posso cometer singelamente umas mentiras para dizer a verdade (ou vice-versa)? Acho que a resposta de Barthes vai ser útil para quem, um dia, pensou em chegar n’algum lugar menos enfadonho que os trocadalhos do José Simão.
Voltando ao final da semana que passou. Para entender o que aconteceu no teatro Sergio Porto, tenho que, além de concordar com o filososo francês, vencer dois obstáculos; o primeiro é não ser chato, e o segundo é investigar esse tal de inconsciente coletivo. Ou melhor, boliná-lo. Não levá-lo a sério. Porque é a ele que chego toda vez que procuro entender o que aconteceu nos outros finais de semana que,há 43 anos, insistem a passar sobre mim. Quem vos fala é o atropelado, portanto.

Antes de seguir adiante, quero fazer um esclarecimento: eu podia estar falando de um jogo de futebol. De um eventual travesti que teria dormido com o Berlusconi. Mas vou falar da minha Velha Apresentadora – que fez duas aparições no teatro Sergio Porto,no Rio de Janeiro. O que importa não é “minha peça”. Não é “A Velha” . Mas a reação diante de um acontecimento coletivo.

Beleza, vamos em frente. No sábado, eu vi fulano se contorcer de tanto rir, e quase cair da cadeira diante do absurdo que é aquela Velha. Embora isso tenha começado a acontecer tarde demais. A partir da quinta ou sexta piada. Tudo bem. Vale que a Velha Apresentadora funcionou e a platéia pegou no tranco, digamos assim.

Já no domingo, inclusive com uma platéia mais numerosa, a coisa não chegou onde eu imaginava. Foi a platéia mais glacial que tive oportunidade de acompanhar, desde que a Velha entrou em cartaz, faz cinco meses. Do começo ao final da peça, a reação foi de absoluta tímidez, contenção, frio. Segundo Alberto Guzik, que interpreta A Velha, isso não quis dizer que não fomos bem-sucedidos, pois teríamos atingido “outro lugar”.

E é aqui que começa essa crônica. Imagino que esse lugar deva ser o inconsciente coletivo. Inconsciente coletivo de 50 pessoas, vá lá, mesmo assim inconsciente e, mesmo assim, coletivo. Sejamos generosos, porque daqui pra frente vou ser grosseiro como sugeriu Barthes, e tentar ser o menos chato possivel. Para Jung ,o dito cujo é a camada mais antiga da memória humana, o carregamos indepentemente das nossas experiências pessoais. Borges o chamou de Aleph. Um lugar onde não necessiamente trocamos idéias, mas nos comunicamos. Onde a afininade é apenas um capricho. E´o lugar dos arquétipos. Catucou ali vai dar curto-circuito, alguém vai se abalar aqui, na América pré-colombiana ou no blogue do poetinha que acabou de convidá-lo para um Sarau n’alguma livraria da Vila Madalena.

Independe do espaço, do tempo e do lugar. E da pessoa também. Pode acontecer no bar esquina, acompanhado do seu duplo – fato corriqueiro na vida de Julio Cortázar, por exemplo.

Isso – em tese – explicaria tanto a histeria com relação à morte de Michael Jackson,a falta de talento do poetinha carente, como a necessidade de consultar o horóscopo antes de sair de casa. Você pode perfeitamente duvidar da existência do verso alexandrino, do zodíaco e do Michael Jackson, mas eles existem. Pode apostar que sim.

A boa notícia é que você tem a opção de ignorá-los, a má notícia é que eles sempre vão se lembrar de convidá-lo para os respectivos saraus, adivinhações e enterros. Sabe por quê? Porque você também faz parte dessa massaroca. Como se Jung dissesse: o ideal seria acreditar em Freud, mas todos nós sabemos que ele era apenas um grande escritor.

Continuando a ser grosseiro. Eis que aparece um tal Erich Fromm e apresenta outra posição a respeito. E diz que o inconsciente coletivo de Jung na verdade é o inconsciente social. Ou uma parte específica da experiência dos seres humanos que é vedada à consciência da maioria das pessoas. Segundo Fromm, que era alemão e fugiu do nazismo, o inconsciente coletivo seria o fruto de uma repressão social. E eu aqui, com os meus botões, confesso que já tive simpatia por essa tese... vejam só. Com treze anos achava o Caetano um gênio... O problema é que Fromm falou isso numa época em que o danado do inconsciente (tanto faz se coletivo ou social) estava mesmo escondido, agindo apenas nas entrelinhas que tanto serviriam às manipulações e trapaças de Barthes como aos interesses de marxistas que – desde sempre – farejavam a inexorabilidade funesta do capitalismo e tinham de justificar a própria orfandade. Manipulá-lo, ao tal do inconsciente, era privilégio de poucos. Orixás. Deuses, Arquétipos. Revolucionários, Heróis. canalhas principalmente. Mas poucos.

O século vinte, aliás, foi pródigo em trapaceiros maravilhosos. Duchamp, Che Guevara, Hanna & Barbera. E eu posso afirmar com convicção que eles deram sorte, uma vez que – quando trapacearam - Pandora ainda era uma virgenzinha inocente. Todavia, nos anos sessenta, Timothy Leary, “o papa da contracultura”, deu uma espiada no gambazinho de Pandora, digo, “catucou a mardita” e expandiu o tal do inconsciente que – eis a questão... - deixaria de ser coletivo ou social para começar a virar uma putinha de rodoviária. Mas para chegar a uma Geni de R$1,99, ele, o tal do Inconsciente Coletivo, contou com a ajuda de um Nerd demoniaco chamado Bill Gates que, sem precisar pôr o dele na reta, o trancou num sótão batizado de Microsoft, em 1975.

E é claro que o gênio re-engarrafado nunca mais foi o mesmo. Antes de voltar pra Caixa das Maldições, passou por experiências bizarras no estacionamento do Parque do Anhembi, onde foi currado por dez mendigos e deu sua primeira cachimbada de crack. Voltou pra garrafa maldita com o rabo sujo entre as pernas, e Pandora simplesmente viraria Geni. Desculpem a grosseria, mas vou pular 30 anos desde que Bill Gates fez esse resgate infernal, e chamarei isso de Internet.

Nesse lugar, qualquer um pode ser herói, canalha, Deus ou o diabo, tanto faz. Todos são arquétipos. Até seu filho. Isso mesmo, somos iguais ao punheteiro do seu filho que passa as madrugadas na frente da tela do PC acompanhado de 93 personagens virtuais numa simulação(?) de guerra cósmica. O nome disso é Dota All Stars ou o ciberespaço que o cabação do Leary foi dar uma banda, e até hoje não conseguiu voltar; sem exagero, posso dizer que Timothy Leary é a primeira besta encantada da Era de Aquário.

Bem, a partir daí – inopinadamente – somos paridos,solicitados e pulverizados todos os dias sob várias formas e conteúdos. Um Deus não pode estar ausente. Nem se ele for o filho enjeitado de um Nerd dos infernos com uma Pandora que dá pra qualquer um.

Faz dez anos que viramos o milênio. Bin Laden resiste! Num lugar onde as hemorróidas da Ana Maria Braga são mais relevantes que o novo livro do Reinaldo Moraes. Bem-vindos à era do boteco de paulista, dos parelelepípedos de isopor, das platéias glaciais. Apesar da rebarba, do entulho do século vinte que aqui e acolá agoniza em praça pública ( não dá para me excluir) ainda assim, é seguro afirmar que, além de ultrapassada, minha geração deu muito azar. Tínhamos logo que ser contemporâneos do Incosciente Coletivo da Silva, sobrinho-bisneto do Sobrenatural de Almeida, velho compadre de Nelson Rodrigues. Que teve a felicidade de viver numa época cujas platéias e os seus respectivos humores eram corrompidos por um inconsciente menos vira-lata, menos broxante.

Eis aqui minha torpe explicação para o que aconteceu no domingo passado. E é claro e evidente que não estou satisfeito – isso significa que, apesar dos pesares, ainda quero me iludir, quero trapacear com as platéias. A propósito: A Velha Apresentadora voltou. Ela vai fazer suas aparições no Satyros 1,na Pça.Roosevelt,em São Paulo. Em novos dias e horários. Aos sábados às 19horas e aos domingos às 18h:30 min. Tenham todos uma boa semana. E divirtam-se.

(copiado da coluna do Marcelo Mirisola no http://congressoemfoco.ig.com.br/)

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Autobiografia com giz


(para Dalton Trevisan)


Apareceu na cidade um palhaço com um ouvido imundo.
Vaga pelas ruas com a impunidade que apenas os saltimbancos tentam demonstrar. Teve a petulância de, mal chegado, negar umas linhas para o nosso prestigioso jornal: quando muitos aqui venderiam a mãe, ou a mão. Diz ter poucas idéias por ano, e que não sabe a hora em que elas vêm ou vão. Fez sua casa no prédio antigo da cadeia — paredes robustas, chão áspero; como ornamentos somente dois armadores e a rede grossa e a mesa gasta onde lapida suas preces. Quando a idéia vem, quando vem, puxa o tamborete, afia a faca, apruma o esmeril entre os joelhos, e sua que sua. Da pouca frase resta o cascalho que joga pelas ruas nas raras manhãs em que se arrisca a sair. Deixar a toca só à tardinha, aí não mais de rosto limpo — o sorriso agora pintado na face: a boca fala, o ouvido escuta. Tudo é impunidade nestes gestos loucos: puxa a língua-de-sogra, enrijece a gravata, dá banana para o secretário de governo — tudo pode no final da tarde, a máscara lhe impede o pranto.
Anda pela cidade um médico insano. Diz que veio curar as doenças do mundo. Montou consultório na praça, cobra pouco, e já possui uma freguesia respeitável. Durante a manhã rega o jardim, poda os galhos do flamboyant — espalha as rosas frescas pelo chão, que somente as apanhará murchas: quando então realiza o ritual das três da tarde. Respira fundo; veste o macacão; põe as luvas, o nariz de cera, a peruca; pega o velocípede e sai por aí, fingindo a alegria de sempre.
Corre pelas calçadas um homem doido. Procura com insistência as praças, esmaga as flores, espanta o casal de namorados, consola dois velhos que conversam em silêncio. Atravessa as ruas em disparada, desmantelando o trânsito; mas quando o observamos atentos, assustado puxa um caco de espelho, que vira sorrindo em nossa direção.
Desliza pela noite um sorriso insano. Ouve coisas, distorce loisas. E nunca olha para frente...


[Conto do livro inédito 'Movimento Esperado']

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Augusto que foi ponte

Letra de Augusto Pontes, para um tema de Petrúcio Maia [gravado por Téti e Ednardo]:

Lupcínica

Vamos acabar com essa briga, amor,
Que eu estou cansado.
Fique aqui ao meu lado e não fale mais,
Que eu estou calado.
E não balance essa chave,
Vai acordar meu remorso,
A tua bolsa guarda segredos de mim.
E por mais que eu mexa e remexa,
É você que não deixa ver
Quantas vezes eu mudei de conversa
Pra não falar,
Tantas vezes eu dobrei a esquina para não ver.
E hoje, sinto ciúmes até da tua falta,
Mas não vou mais
Matar ninguém por tua causa:
Mate-me, que eu já te matei!
Inutilmente bêbado,
Triste como um peixe afogado
Na madrugada sonolenta
De bolero em bolero,
'Acuerdame daqui a poco',
Você está com a vida que pediu a Deus.


Homenagem a Augusto, que recentemente nos deixou. Veja alguns belos e lúcidos textos sobre ele escritos por Ruy Vasconcelos em seu: http://afetivagem.blogspot.com/

AFETIVAGEM: Resultados da pesquisa augusto pontes

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Hai-cá

boca de noite
sol em travesseiros
morceguinhos flutuam

Orquídea às nove da manhã

orquídea às nove da manhã

teu voluptuoso sexo

humana expansão do céu

em contato com o fogo: desfaleces

revives: em contato com o fogo

com intensidade, calma e luxúria

- lúbrica embocadura -

viajas em minha pica


(poema de Luciano Bonfim copiado de seu: http://lucianobonfim.blogspot.com/ /)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Prorrogação Pessoal do Estádio Oblíquo

(para Victor da Rosa)

ainda zero a zero

é a final, estádio cheio

você, ponta-de-lança

de raro elenco,

aos quinze do segundo tempo

segue tragando palavrões

no metro, pelo capim

sob um sorriso discreto

até bater nas mãos do

volante de contenção convocado,

enquanto ouve o urro da galera

para o professor:

“burro, burro”, e


passa o resto da vida

saindo daquele gramado,


o filme, na cabeça, a repetir

tudo o que você teria jogado

naquela meia-hora sem fim.


que vida não é assombrada

por um calvário assim


num lance ou noutro

nem que por um quarto

de hora escroto?


(poema de Ruy Vasconcelos, copiado de seu http://afetivagem.blogspot.com/)

Resenha de Ieda Magri sobre 'Inimigos'.

Pedro Salgueiro e seu Inimigos
Ieda Magri
Inimigos, de Pedro Salgueiro, é uma das publicações da Editora 7 Letras, que está com seu site renovado e é uma das poucas a investir em escritores iniciantes. Não é o caso de Pedro Salgueiro, premiado em vários concursos nacionais e internacionais; este é seu sexto livro.
Inimigos aborda o tema mítico das invasões e das cidades sitiadas. Nele, vários narradores contam as fugas, os preparos para as esperadas chegadas dos inimigos, fazem inventários que pretendem dar conta das características dos povoados vizinhos, especialmente da perigosa Papaconha, uma aldeia que se movimenta no espaço e vai se aproximando da cidade dos narradores. Essa aproximação, conforme se avança na leitura, vai se mostrando muito mais lendária do que real, e o perigo iminente pulsa mais como desejo do que como possibilidade.
Como as cidades do sertão, acostumadas a esperar o bando de Lampião, de Virgulino e de forasteiros inominados, a cidadela vai recebendo com receio qualquer visita de fora e seus habitantes veem sempre nessas chegadas os vestígios de espiões ou anunciadores da temida mas muito esperada invasão.
Sob o signo, então, da espera é que o livro vai se fazendo. De conto em conto, vemos a invasão se aproximar e os temores se tornarem mais e mais palpáveis. Porém, a chegada vai sendo sempre adiada e nos imbricamos nas descobertas geográficas dessa improvável cidade, de seus arredores e do caminho palmilhado pelas personagens, que se definem mais ao dizer do outro que vem do que de si próprias. Perdidos entre o sertão, a mata e o deserto, esses habitantes que vivem na expectativa de uma chegada na verdade estão presos.
Tanto pela espera como pelas sucessivas fugas sem sucesso, partilhamos dessa agonia fina que persegue os fugitivos de várias gerações que a paisagem ríspida teima em levar de volta. Tanto a expectativa da invasão como a caracterização dessa cidade – que ora é também vila, vilarejo, ora é aldeia – se definindo sempre pela perspectiva das cercanias e dos limites entre os povoados me fizeram lembrar o tema muito explorado por José J. Veiga nos excepcionais A hora dos Ruminantes e Os pecados da Tribo.
Vejo aproximação entre os dois autores não só no tema, mas também no tratamento dado à linguagem, que busca sempre uma sobriedade e um ritmo próprio dos lugares escritos em seus livros. Como se o mundo frenético e real do escritor estivesse completamente apagado diante do mundo perdido espacial e temporalmente dos narradores.
Embora organizado como um livro de contos, há uma linha estruturante que permite que o leitor vá passando de uma narrativa a outra como se estivesse explorando episódios de uma e sempre a mesma história, escrita, com poucas exceções, em primeira pessoa. Logo na abertura, há uma nota explicativa, ao sabor das notas de Machado e de outros escritores que buscam dar o caráter de verdade ou de vivência às suas histórias. Nela, somos prevenidos de que o autor, nesse momento em que é personagem, já imerso no universo da ficção, supostamente se valeu de vários depoimentos e que o livro é resultado de intensa pesquisa tanto em documentos oficiais como em relatos ouvidos aqui e ali, que foram verificados exaustivamente antes de figurarem no relato. Porém, a informação de grande relevância é a de que esses narradores funcionam como duplos de um narrador principal, o responsável pela escrita dessa história que precisa ser contada: “Sabia que seria difícil descrever personagens que tinham meu rosto, carregavam meus gestos, involuntários ou não, e cujas ações estavam gravadas em meu código genético”.
Pertencente, portanto, à estirpe dos que esperam, dos que constroem armadilhas e muralhas para a própria proteção, dos aflitos cujo único sossego viria da invasão tão esperada, dos entediados sempre a fugir, dos que desejam a novidade mesmo que ela venha em forma de um bando de inimigos, o narrador faz o relato de um fim que não chega e de uma busca de compreensão de si e dos outros habitantes do vilarejo que, por falta do olhar do estrangeiro, do visitante, não consegue se fazer visível. Desse modo, as personagens não são descritas pelo que são, mas pelas diferenças em relação aos “aluados de Papaconha” ou ao exército inimigo, que não se confunde com a temida aldeia móvel e foi responsável pela única verdadeira invasão. Neste, digamos assim, episódio, outro livro de fugas e de busca de inimigos pode ser lembrado: As mulheres de Tijucopapo, de Marilene Felinto. Nele, as mulheres são as heroínas: num movimento quase simultâneo, matam os homens invasores e devolvem a paz à cidade.
Um livro denso e bem escrito que merece ser lido e relido, Inimigos trata, em última análise, do medo do desconhecido e das sombras da loucura que todos trazemos entranhado. Com posfácio de Miguel Sanches Netto e muitos detalhes visíveis somente pela habilidade do leitor, o livro guarda ainda muitas grotas, serras, matas e noites fechadas, a começar pelas interessantíssimas epígrafes que remetem ao universo bíblico.
Ficha técnica do livro:
Título: 'Inimigos'
Autor: Pedro Salgueiro
Gênero: Conto/ficção
Editora 7 letras, 2007

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Casimiro Coco

Na virada dos 60 pros 70, menino lá nos Inhamuns só jogava bola. Minto: reinava de bola, bila, carimba, trisca, triângulo, esconde, arraia e mil brincadeirinhas mais; TV só duas e não dava pra traquina pobre, só na metade dos 70 fomos assistir Jerônimo, Zorro, Batman, Rex nos ladrilhos frios do Coronel Zé Jorge. De quando em vez, já cansado de fazer macaquinhos em dedos finos e dar leques e cascudos nas cabecinhas comidas de piolho e sol, o senhor de todas as terras da região pedia à Preta Zefa uma lata d’água, engolia a metade, gargarejava a outra e cuspia um jato longo na platéia, que nem piscava...

Mas bem antes das benditas sessões da tarde nos tijolos frescos do Coronel Zé Mundo, esperávamos na boquinha da noite o telecoteco dos Casimiros Cocos na sala do Seu Genaro. Empanada de improviso com um lençol, os bonecos cabeçudos feitos com o pau de mulungu disputando insultos e patifarias antes de, invariavelmente, trocarem cabeçadas em meio a gritos e gargalhadas.

De feitio austero, como tudo no sertão, o mamulengo mal era vestido, uma chita qualquer de camisa não mais usada, um batom de urucum no lábio da Sinhá. As palavras poucas, um grunhido que outro antes do desfecho esperado.

— Tome tento, seu cabra!
— Teco! Telecoteco!

Ainda hoje, assegura o camarada Lica, se escuta o bate-cabeças dos casimiros, em noites de vento, na velha casa abandonada no Alto das Pedrinhas.

VER-TE


vertente
um mar
de gente
um pente
rente

a me decapitar